terça-feira, 20 de setembro de 2011

Homilia do arcebispo de Évora
na missa de encerramento
dos 500 anos
da regra de Santa Beatriz da Silva

Toledo, Espanha, 18/09/2011
Irmãs e irmãos,
Nesta celebração evocativa dos 500 anos de aprovação da Regra da Ordem da Imaculada Conceição, a que tenho a alegria de presidir, começo por me dirigir a todos vós com as palavras de S. Paulo aos cristãos da Galácia, ouvidas há pouco: caminhai no Espírito (Gal 5,16) e praticai as obras do Espírito. Como sabeis, viver de acordo com o Espírito e praticar as obras do Espírito foi a grande aspiração de Beatriz da Silva, desde a sua juventude. Foi a força desse ideal de vida que a levou a renunciar às glórias e alegrias mundanas, em que estava envolvida na corte castelhana, para se refugiar no Convento de S. Domingos, o Real, onde viveu piedosamente, como leiga, acompanhada por duas empregadas, durante mais de trinta anos. Caminhar no Espírito e saborear os Seus deliciosos frutos celestiais foi e continua a ser o ideal dos milhares de monjas que, durante cinco séculos, tomaram Santa Beatriz como modelo de vida consagrada a Deus, a exemplo de Maria Imaculada.
Como a história nos ensina, Beatriz da Silva bebeu a devoção à Imaculada Conceição no seio da família e no ambiente cristão da pátria lusitana, que a viu nascer, na vila de Campo Maior. A sua devoção mariana arraigou-se tão profundamente e com tanta vitalidade no seu coração que viria a tornar-se carisma fundacional autónomo, apesar das teias das ordens de Cister e de Santa Clara, em que esteve enredada nos primeiros tempos. Como se diz na Carta de Apresentação e Promulgação das Constituições Gerais (1993): esta vocação originária representou para a Igreja de então uma graça singular do Espírito Santo: o que a teologia imaculista defendia nas cátedras e nos púlpitos, o Espírito, servindo-se de Santa Beatriz, o converteu em projeto de vida para a Irmãs da Ordem.
Com efeito, o serviço, a contemplação e a celebração do Mistério de Maria na sua Conceição Imaculada (Art 9) continua a ser o lema de todas as filhas de Santa Beatriz, que, entregando a Deus o seu coração indiviso, a exemplo de Maria, acolhem a Palavra de Deus, em atitude de humildade e, como servas do Senhor, estão sempre prontas para fazer a sua vontade. Eis a razão pela qual renunciaram à comunidade familiar, baseada nos laços do sangue, e a qualquer outra comunidade baseada no saber humano, para aderirem, de alma e coração, a uma outra comunidade – sua comunidade religiosa - que diariamente escuta a Palavra de Deus e dela se alimenta, sem jamais perder o desejo de a compreender melhor e de mais perfeitamente ser capaz de a por em prática.
Como diz a Sagrada Escritura, os que se alimentam da sabedoria eterna, contida na Palavra de Deus, nunca se sentem plenamente saciados. Terão sempre fome e sede de mais e de melhor alimento. E a Palavra de Deus, inesgotável na sua profundidade infinita, tem poder para alimentar a alma humana e, ao mesmo tempo, para ampliar a sua capacidade espiritual de saborear aquele outro alimento do qual Jesus Cristo falou muitas vezes: o alimento da Palavra que sai da boca de Deus (Mt 4,4); o alimento que é Ele próprio, feito pão da vida e sangue de salvação (Jo 6, 56-58); o alimento que consiste em fazer a vontade do Pai (Jo 4,34). Foi no cumprimento da vontade do Pai que se polarizou toda a vida terrena de Jesus. A pregação do Reino e o atendimento dos que a Ele recorriam foram sempre prioritários para Jesus. E a tal ponto que, umas vezes, não tinha tempo para comer e, outras, recusava o alimento material que os discípulos lhe ofereciam. Jesus sentia a fome própria do Filho. Podemos dizer que era um esfomeado pela vontade do Pai.
Beatriz da Silva, que recebeu a filiação divina pela graça do Batismo, experimentou essa fome espiritual de cumprir a vontade de Deus. Não encontrando nos bens deste mundo possibilidade de saciar essa fome e sede, voltou-se para Maria Imaculada, que cedo aprendera a venerar no seio da sua família, tomou-a como modelo e sentiu-se feliz, seguindo os seus passos de Mãe e Mestra. Tinha encontrado o caminho da sua vida espiritual. Mas não quis guardá-lo só para si. Pensou dá-lo a conhecer a outras almas virgens e esfomeadas da Palavra de Deus, como ela. Assim começou o sonho da Ordem da Imaculada Conceição, que ela nunca chegaria a ver realizado. Mas teve a graça de o semear na terra juntamente com o seu corpo, no dia em que as primeiras doze discípulas (doze como os Apóstolos de Jesus) deveriam emitir os seus votos. De facto não teve a alegria de aceitar os votos das suas filhas espirituais mas teve a glória de fazer da sua vida uma semente lançada à terra que produziu muito fruto: o fruto imenso de centenas de mosteiros e de milhares de monjas, que foram surgindo por várias partes do mundo, ao longo de cinco séculos. E nós hoje podemos exclamar: Bendito seja Deus que suscitou em Santa Beatriz da Silva o carisma da vida contemplativa, inspirada na Imaculada Conceição da Virgem Maria!
Na verdade, foi para entoar um hino de louvor a Deus que nos reunimos hoje aqui nesta celebração. Foi para dar graças a Deus pelas maravilhas que realizou na Igreja, através da Ordem da Imaculada Conceição, que, ao longo deste ano, se têm promovido e continuam a promover outras celebrações e eventos, que possibilitem um conhecimento mais profundo da vida e obra de Santa Beatriz, do carisma imaculista que lhe foi concedido e da história da Ordem da Imaculada Conceição, em todos os países onde esteve ou ainda está presente. Nesse contexto se enquadra o Congresso Internacional que vai realizar-se em Fátima, nos dias 14 a 16 do próximo mês de outubro, a cuja promoção tenho a honra de estar associado.
À celebração de louvor queremos também juntar um ato de fé e de confiança no amor de Deus que, nos nossos dias, se manifesta através das filhas de Santa Beatriz, que escolheram a vida contemplativa como caminho de purificação e de santificação, a intercessão como forma de apostolado e a comunidade claustral como lugar onde Deus habita e se dá a conhecer. E, por isso, no tempo presente as suas vidas totalmente consagradas a Deus por Maria, continuam a ser sinal credível dos novos tempos. A Maria, Estrela da Manhã, pedimos que continue a servir de guia segura a todas as jovens que, como ela se dispuserem a escutar a Palavra de Deus, a guardá-la em seus corações e a pô-la em prática, em atitude incondicional de serviço.
Toledo, 18 de setembro de 2011
+José, Arcebispo de Évora

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