quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Mensagem para a Quaresma 2009
de D. José Alves, arcebispo de Évora

A Quaresma foi instituída pela Igreja para preparar a Páscoa, principal solenidade da fé cristã e núcleo central de todo o ano litúrgico. Assim como o mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo é o cume da História da Salvação, assim também a Páscoa é o auge de todas as celebrações litúrgicas. A Igreja, para levar os cristãos a compreenderem a importância da Páscoa e para os ajudar a prepararem-se convenientemente para a sua celebração, alongou o período de preparação pelo espaço de quarenta dias, em memória dos quarenta anos que o Povo de Israel viveu no deserto e dos quarenta dias que Jesus dedicou à oração e ao jejum, em atitude de abandono e confiança no Pai, para preparar o início da Sua missão messiânica.
A Igreja propõe aos fiéis a Quaresma como tempo de treino espiritual intenso, destinado à purificação espiritual, pelo recurso mais assíduo às práticas de ascese, herdadas do Antigo Testamento e por ela purificadas, segundo o Espírito de Jesus Cristo, a saber: a oração, o jejum e a esmola. Estas três práticas aparecem, quase sempre, associadas entre si, porque são complementares. Completam-se, explicam-se e implicam-se mutuamente. Pois todas têm como finalidade última ajudar o crente a entrar em intimidade com Deus.
Apesar dessa relação especial entre as três práticas de ascese quaresmal, fixemo-nos apenas no jejum, conforme o papa Bento XVI nos recomendou na sua mensagem quaresmal.
Com efeito, a prática do jejum perde-se nas sombras da história. As suas motivações são religiosas e é praticado nas religiões pagãs, no judaísmo e no islamismo. A religião cristã sempre o praticou, desde os primeiros tempos até aos nossos dias. A razão deste procedimento encontramo-la profusamente justificada nos livros da Sagrada Escritura e em toda a tradição cristã. Na Sagrada Escritura, o jejum é-nos apresentado como meio para exercitar a humildade e para implorar o perdão dos pecados; como forma de preparação para os grandes acontecimentos e para se apresentar diante de Deus, implorando graças e favores para alguma pessoa ou para a comunidade; como purificação interior e abertura à luz divina; como meio de exprimir o abandono total nas mãos de Deus e a confiança na Sua providência. Numa palavra, o jejum é uma grande ajuda para nos libertar do pecado e de tudo o que a ele conduz.
Jesus Cristo também jejuou mas manifestou uma atitude crítica para com o jejum tal como era praticado, no seu tempo, particularmente, pelos fariseus. Como já tinham feito anteriormente os profetas, Jesus censurou os que jejuavam por mero ritualismo ou até por vaidade. Por isso afirmou: quando jejuardes não mostreis um rosto sombrio como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam (…) tu, porém, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que o teu jejum não seja conhecido dos homens (Mt 6, 16-17). Jesus respeitava os que jejuavam mas não mandou jejuar os seus discípulos, certamente, para se distanciar do ritualismo farisaico. Porém, sugeriu que, mais tarde, quando fossem iluminados pela luz da fé na Ressurreição, eles iriam recorrer ao jejum como meio de purificação interior, para melhor conhecer e cumprir a vontade de Deus. Jesus preferiu insistir no desapego dos bens (Mt 19,21) e na renúncia a si mesmo (Mt 10,38), pois o jejum não tem valor por si. Vale na medida em que nos ajuda a compreender a precariedade dos bens materiais e nos abre o espírito para as realidades espirituais. É esse o verdadeiro sentido do jejum.
Nas sociedades ocidentais, consideradas sociedades de abundância e eivadas de materialismo, o jejum, por motivos religiosos e ascéticos, tem vindo a perder sentido. No entanto, continua a ser praticado com finalidades terapêuticas ou por outras razões, sejam elas de carácter estético ou de carácter desportivo. A própria Igreja aliviou a disciplina do jejum ao longo dos tempos. Actualmente, o jejum é proposto apenas em dois dias no ano: um no princípio e outro no fim da Quaresma, respectivamente, quarta-feira de cinzas e sexta-feira santa. Curiosamente, por livre iniciativa de alguns grupos de cristãos que, em contacto com a Bíblia e com as fontes do cristianismo, descobriram o genuíno sentido do jejum e a sua eficácia no progresso espiritual, a prática do jejum tem vindo a ser implementada. Talvez seja este um sinal dos novos tempos que se avizinham.
A Igreja considera o jejum como uma forma de mortificar o próprio egoísmo e de abrir o coração ao amor de Deus e do próximo. A privação voluntária dos alimentos cria disposição interior para ouvir a Palavra que sai da boca de Deus e sacia a outra fome bem mais profunda do que a fome de pão. O jejum sensibiliza-nos para a privação a que estão sujeitos tantos dos nossos irmãos aos quais falta o mínimo indispensável para garantir a própria subsistência e vivem na expectativa de que alguém, com coração de bom samaritano, se incline sobre eles para os alimentar e os cuidar.
O jejum, como prática de ascese, precisa de ser redescoberto, à luz da palavra revelada, da boa tradição cristã e dos exemplos de grandes personagens de espiritualidade do nosso tempo. Nesse sentido, o papa Bento XVI, na sua mensagem quaresmal, encoraja as paróquias e todas as outras comunidades a intensificar na Quaresma a prática do jejum pessoal e comunitário, cultivando de igual modo a escuta da Palavra de Deus, a oração e a esmola. Fazendo-me eco das palavras do papa, também eu convido as comunidades e cada um dos cristãos da nossa Arquidiocese a que observem o jejum, ao menos, nos dois dias acima referidos: quarta-feira de cinzas e sexta-feira santa.
Seguindo o exemplo das primeiras comunidades cristãs, todos somos convidados a oferecer as economias que resultaram dos nossos dias de jejum. Dessa forma poderemos associar o jejum quaresmal com o amor ao próximo. E nesse sentido, proponho que o valor atribuído aos alimentos a que renunciámos, nos dias de jejum, seja doado a favor do nosso Seminário de S. José em Vila Viçosa. Como é do conhecimento geral, o edifício foi submetido a grandes obras de restauro, a fim de o tornar mais funcional e acolhedor para os jovens que aí começam a sua caminhada para o sacerdócio. As obras estão concluídas mas não estão pagas. Contamos com a generosidade do povo cristão que irá ser o primeiro e principal beneficiário dos sacerdotes que aí iniciarem a sua formação vocacional.
Como tem sido hábito nos últimos anos, confio à Caritas Diocesana a organização da campanha da renúncia quaresmal deste ano, cujo produto final será entregue ao Seminário de S. José, no decorrer de uma celebração eucarística no Santuário de Nossa Senhora da Conceição, nossa Padroeira, a cuja protecção encomendo, mais uma vez, toda a Diocese.
+José, Arcebispo de Évora

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